Ouvi uma frase que me instigou mais ainda a partir rumo ao
sul, há muito tempo tenho pensado em sair do sudeste e rumar para novos
lugares. Alguns dias atrás estava dando aula e um aluno me falou que no feriado
iria viajar para Florianópolis, na hora e sem pensar perguntei se onde ele ia
ficar dava pra colocar uma barraca no quintal ou se teria algum lugar pra mim e
mais três dormirem, ele disse que ia ver com o irmão e me falava em outro
momento.
Comecei a tentar juntar o pessoal da última viagem que fiz
para Itamambuca em Ubatuba, falei sobre a ideia de ir pra Floripa e na hora os
três ficaram empolgados como eu. Fui pra casa passei uma mensagem para um amigo
que mora lá pra ver se conseguia uma casinha para nós quatro e fiquei
aguardando o retorno.
Alguns dias se passaram, convidei outro amigo para entrar na
trip, esse já experiente em ir para o sul, fiz o convite e na hora ele aceitou,
disse que ia ser muito legal e que eu ia gostar. Fiquei feliz por ter mais um
em nossa viagem, mas em seguida ele fez uma série de questionamento que me
deixaram chateado.
Conversamos por mensagens por algum tempo e ele primeiro
perguntou se os quatro ou cinco caras iam no meu carro, respondi que sim e quis
saber o porquê da dúvida, aí ele me disse que ia forçar muito o motor, achava
melhor não. Pensei comigo mesmo e lembrei que já tinha percorrido quase a mesma
distância com mais três mulheres e suas bagagens e o carro foi muito bem. Depois
ele veio com a ideia de que ele dirigiria nos pontos críticos e que o caminho
era perigoso para eu ir dirigindo, falou que conhecia tudo e que já havia ido
pra lá oito vezes, que não era fácil, disse
que aquela estrada não é pra qualquer um e que um amigo dele levou um
dia pra chegar lá enquanto ele faz em dez horas.
Prestei atenção em tudo e percebi que um pânico estava sendo
criado em cima disso tudo, notei também que em vez de palavras de incentivo,
estava recebendo o contrário, coisa que eu jamais faria com alguém que estivesse
na empolgação que eu estava. Poderia até orientar, mas jamais colocaria medo
dizendo que caminhões em alguns trechos empurram carros que estão a sua frente.
Eu simplesmente alertaria dos perigos usando palavras de encorajamento.
Mas uma frase que ele disse me chamou atenção: “Se aprende muita coisa na BR rumo ao Sul”.
Na hora que ouvi isso, decidi que iria dirigindo e com certeza aprenderia muito
e nesse instante lembre-me de uma frase que ouvi um dia: “As tartarugas aproveitam muito mais os caminhos do que as lebres.”
Percebi que não importava o quanto iria demorar pra chegar lá e nem quais
seriam as dificuldades, eu simplesmente iria como sempre faço nas estradas, com
muita cautela e respeitando os perigos. Não precisava chegar rápido, só
precisava chegar.
Decidi deixar pra lá essa parte que me chateou e entrei em
contato com o Marcio Misso para tentar achar um lugar para ficarmos. Mandei uma
mensagem falando sobre um texto que havia publicado sobre uma viagem que fiz no
passado e disse que estava escrevendo mais um, mas só conseguiria acabar de
escrever se fosse para Florianópolis, por isso, precisava de um lugar pra ficar
lá no feriado.
Aguardei ansioso a resposta que veio com boas novas: o lugar
estava arrumado. Era um quarto com um beliche e uma cama de casal em uma das
casas do Marcio que um dia fora meu aluno em uma das inúmeras academias que já
dei aula. Ele cobrou um valor que para mim estava ótimo. Prontamente respondi a
mensagem dizendo que ia confirmar tudo com os três amigos que iam comigo e logo
confirmaria.
Falei com o Alan sobre os valores e ele sem pensar topou, na
sequência o Rafa também confirmou depois de checar seu orçamento, o único que
não tinha certeza era o Vitor, pois teria um compromisso na mesma data, mas ele
ficou extremamente empolgado em abandonar o compromisso e juntar-se a nós.
Com a semana quase chegando ao fim, o Marcio que estava
passando dias em São Paulo foi fazer um treino na academia onde eu trabalhava,
conversamos muito, o apresentei para o Vitor e nesse momento, o pouco que
faltava para convencer aquele que parecia ser o último a entrar em nossa barca rumo ao sul, foi feito pelo nosso
anfitrião em Florianópolis quando trocou algumas palavras com o indeciso, mas
quase certo em nossa viagem.
O fim de semana veio e passou, o clima se transformou e pela
primeira vez naquele ano, realmente vi o outono se mostrar. Choveu, ventou, o
céu acinzentou e a semana seguinte com frio começou.
Na segunda, confirmei mais uma vez com todos sobre a viagem e
todos inclusive Vitor, confirmaram que iríamos todos juntos. Fui ao banco
depositei a metade do valor cobrado e a partir daí não tinha mais jeito de
voltar atrás.
Quando tudo estava fechado, eis que mais um integrante surge
e agora seriamos cinco, quatro homens e uma mulher rumando para o sul de nossas
vidas. Todos ávidos e ansiosos por essa que parecia ser a viagem do ano. Cada
um em seu canto imaginando os caminhos, as estradas e seus encantos.
Uma viagem e
tanto
Hoje acordei extremamente cansado foram quatro dias de
viagem, comecei a lembrar do que escrevi antes da partida e vi que a semana que
antecedeu a nossa partida passou rápida e eu por incrível que pareça não me vi
em nenhum momento ansioso, mas tudo mudou no dia que iriamos pegar a estrada,
meus pensamentos ficaram acelerados, a eminencia de ir rumo a Santa Catarina
pela primeira vez mexia comigo como se eu já pudesse ver muitas coisas se
transformando em minha vida.
Pois bem a noite de quinta chegou, eram dez e meia quando
saímos do trabalho. Eu e o Vitor passamos na casa dele, comemos lanches
preparados pela Vilma sua mãe, que também fez uma deliciosa torta para nos
alimentar durante a viagem, em seguida passamos e pegamos a Aline, depois o
Rafa e por último o Alan e suas pranchas.
Pegamos a Regis Betencourt por volta de meia noite e meia,
fui o primeiro a dirigir,
eu
realmente queria estar na direção na parte que todos consideram a mais crítica,
a mais perigosa e traiçoeira, a temida Serra do Cafezal. Dirigi por
aproximadamente cinco horas, encarando um desafio que me foi imposto quando
ouvi um amigo dizendo que não era para eu dirigir por ali. Por estar com lentidão,
o desafio se tornou fácil, mas mesmo assim percebi certos perigos em algumas
curvas que enganam. Passamos por ali ao som de reggae. Quando nos demos conta
que ainda estávamos no fim dessa serra e só tínhamos rodado pouco mais de 100
kms, percebemos que a estrada seria longa.
Fizemos a primeira parada para
um café. Eeu queria continuar, mas ao descer do carro, percebi que a primeira troca de motorista se
fazia necessária. Entramos no carro com o Vitor ao volante desta vez, eu
permaneci no banco da frente e quando saímos do posto, notamos que a BR já
permitia uma velocidade maior do que a que estávamos antes da parada.
O dia começava a dar as caras e
o sol que queríamos ter visto nascer na estrada na última viagem e não
conseguimos ver, nasceu lindo e quente, iluminando nossos caminhos e aquecendo
nossas almas.
Cinco viajantes passando pela divisa de São Paulo com o
Paraná rumo a Florianópolis. Nesse momento percebi que as arvores que nos
acompanhavam, em sua grande maioria eram pinheiros, lembrei-me da música do
Dijavan em que ele frisa a existência de tal espécie neste estado, que naquele
instante começávamos a percorrer.
A essa altura, todos já se
conheciam um pouco mais. A Aline que nunca antes nos vira, se enturmou
facilmente e a conversa fluía. Um misto de papo sério com simples brincadeiras,
garantiram muitas risadas entre um pedaço e outro de torta, que por sinal
estava uma delicia e caiu muito bem.
Nesse trecho do percurso, eu já
empunhava em minhas mãos uma máquina fotográfica e dei início oficialmente a
uma profissão que eu já venho trabalhando há anos, na verdade eu só criei um
nome para uma velha mania que tenho de tirar fotos de placas. Não podia ver uma
placa que lá estava eu, registrando para mais para frente cataloga-las. Por
isso, me auto-intitulei de Placógrafo e mesmo que eu quisesse
deixar passar uma ou outra sem um click, alguém já gritava: olha a placa Gui.
Paramos mais uma vez para ir ao
banheiro, esticar as pernas e comer algo que não fosse torta, voltamos ao carro
e dessa vez quem assumiu a direção foi o Rafa, a Aline sentou ao seu lado. Atrás
ficamos eu, Alan e o Vitor. O caminho seguia, a conversa continuava e desde a
Serra do Cafezal ninguém dormia, depois da Buzinada que tomei de um caminhão
numa curva.
No banco de trás três loucos
falando besteira e fazendo piada de tudo o que possa imaginar. Na frente o Rafa
inspirado pelo som do Fala Mansa, acalmou a voz e de maneira doce conversou com
a Aline por um longo tempo enquanto nos encontrávamos parado outra vez no congestionamento.
A partir da aí surgiu em nós, um sentimento que pode até ter sido de
brincadeira, mas no fundo tinha um pouco de verdade. Cada um guardou para si o
que sentiu, mas como estávamos sendo muito transparentes uns com os outros,
todos em alguma hora ia se abrir.
O Paraná ficou para trás e Santa
Catarina chegou com pontos congestionados. Mais uma parada e a penúltima troca
de motorista. O Alan assumiu o volante e dirigiu até pararmos num posto na
beira da estrada, fomos ao banheiro e perguntamos como fazíamos para chegar na
praia do Moçambique. O frentista com uma gentileza que eu jamais vi em qualquer
um outro, nos explicou, desenhou um mapa em um pedaço de papel e nos deu as
boas vindas a Floripa.
Saímos do posto com a Aline
dirigindo, eu de copiloto e os três no banco de trás. Fomos seguindo as
orientações e acompanhando o mapa, passamos por cima da ponte indicada e quando
me distrai, vi o mapinha feito com tanto carinho voar pelos ares e sair pela
janela. Mesmo sem o mapa, conseguimos chegar, não pelo melhor caminho, mas sim
por um outro indicado por um senhor que nos informou da seguinte forma “Moçambique, sim aqui vai dar lá, mas tem que
subir o morro e o chão é de terra. Vocês vão?” respondemos que conseguíamos
subir e fomos.
Subimos uma montanha e depois
veio à descida, parecia que não íamos chegar a lugar nenhum, mas chegamos e lá
estávamos ancorando nosso barco de rodas após dezesseis horas de viagem. Finalmente
chegamos e fomos recepcionados pelo amigo e anfitrião Marcio Misso, o dono do Mozamba
Surf House.
Finalmente
estávamos em Florianópolis
O certo nessa hora era
descarregar o carro e procurar algum lugar pra almoçar às 17h e foi isso que
fizemos, mas não achamos lugar servindo almoço e decidimos ir para a praia
mesmo sem comer. Todos virados com mais de trinta horas sem dormir,
aproveitando a praia. O Rafa logo de cara, ao tentar pegar uma onda, fez um
corte na testa com a prancha, Vitor e Alan também tentaram surfar, eu e a Aline
só ficamos na areia. O pôr do sol naquele nosso primeiro dia foi fantástico, o
céu ganhou varias cores, rosa misturado com laranja e amarelo.
Voltamos para nosso lar em
Floripa, conhecemos a esposa do Marcio, uma pessoa muito especial com o nome de
Cátia que nos acolheu de maneira espetacular, nos deixou como se estivéssemos
realmente em nossas casas.
A noite caiu, o Marcio sugeriu
um bar ali por perto chamado Kanoas. Aceitamos na hora. As 21h estávamos
chegando ao bar, nos sentamos, pedimos belas refeições que vieram com um sabor
maravilhoso, bebemos e conhecemos novas pessoas. A felicidade de estar lá era
tanta que esquecemos até do cansaço.
Um casal de amigos de nossos
anfitriões chegaram e sentaram em nossa mesa, era o Windsor e a Marisa. A
conversa estava gostosa e a noite avançava. Uma banda tocava um Jazz lindamente
e por varias vezes me lembrei dos bares que frequento em São Paulo, o Reza Vela
e o Oyagiban.
Eu queria falar uma poesia e
pedi para uma garçonete, a moça falou com o dono e de um minuto para o outro me
vi no palco recitando minha poesia Vidas.
Senti que falei bem, vi que todos
prestaram atenção e vi também o bar inteiro me aplaudir.
Voltei para a mesa realizado e
feliz, a galera começou a se despedir e quando percebemos que já estávamos
caminhando para a quadragésima hora acordados também fomos embora.
Fomos dormir naquela noite com
visões e impressões fantásticas. Quando chegamos no Mozamba Surf House, cada um
em seu canto, mesmo que o canto de nós todos fosse o mesmo, apagou e descansou,
mas antes eu e o Alan ainda gastamos o resto de energia que nos sobrava
conversando e dando muita risada na calçada em frente a nossa casa. Falamos
sobre o sentimento que nos assolava e da hora que ele brotou, que foi naquele
momento de conversa baixa entre a Aline e do Rafa, sabíamos que era uma
brincadeira, mas que tinha um pouco de verdade, pois sem ao menos falar o que
estávamos sentindo já sabíamos que sentíamos a mesma coisa.
Nossas
risadas cessaram, decidimos entrar e dormir. Em nosso quarto do hostel, tinha
uma cama de casal onde o Vitor e sua prima Aline dormiam, um beliche onde o
Rafa dormia na cama de cima o Alan deitou na de baixo e eu desmaiei em um
colchão no chão.
A
noite de sono não foi suficiente para descansarmos, mas sabíamos que não havia
tempo a perder, por isso logo que o dia amanheceu, pulamos da cama e pensamos
em ir comprar o nosso café, mas dois de nós tiveram essa ideia um pouco mais
cedo e quando estávamos na janela frontal de nosso lar, vimos depois de uma
longa espera, o Rafa e a Aline voltando da padaria.
Eles
vinham caminhando tranquilamente pela rua de bloquetes, traziam nas mãos
sacolas brancas e parecia que estavam tendo uma conversa agradável. Nesse
momento o sentimento que nos assolava transbordou pelas nossas bocas e eu e o
Alam falamos ao mesmo tempo – “ To com
ciúmes” e caímos na risada.
Tomamos
um café reforçado e planejamos como seria o nosso roteiro em Floripa. Já era
sábado e deveria ser o segundo dia, mas por causa do incrível congestionamento,
se tornou o primeiro. Decidimos ir conhecer a praia de Jurere Internacional. Lá
fomos nós, ainda era manhã e já começamos a bambear o cérebro com goladas de
cachaça e um tal de diabo azul que se fazia misturando Curaçal blue, gás de
esqueiro e fogo.
Já
na praia, curtimos tudo e a cada gole de cerveja, as palavras saiam mais
fáceis. Tomamos banho de mar, os caras pegaram ondas, ou melhor treinaram pra
um dia pegar, aproveitamos ao máximo.
Decidimos
ir almoçar, arrumamos as coisas no carro e eu tomei mais uma dose do drink azul
e vi o mundo girar, sentei no banco de trás me sentindo mal, com o cérebro mais
bambo do que o normal e o estomago embrulhando não sabia se era de fome, por
conta do álcool ou as duas coisas.
A
Aline assumiu o volante e de repente logo a nossa frente uma ladeira enorme
surgiu como um convite para o Vitor. Ele pegou seu skate, desceu do carro,
colocou o tênis e pediu para filmarem sua descida.
Igual
a um foguete, Vitor ia descendo enquanto o Rafa ou o Alam filmava tudo. Eu a
essa altura estava vendo tudo embaçado, vi um show de coragem e habilidade
encima de um skate, um cara louco sem proteção nenhuma encarando aquela ladeira
nunca antes vista em sua vida. Até o elefante cinza de pelúcia que enfeitava
nosso carro se impressionou.
Lá
embaixo, nosso skatista entrou no carro novamente, agora com a cabeça feita por
conta da adrenalina, ele realmente estava satisfeito com aquilo que fez.
Começamos
a procurar um restaurante para comermos e paramos. Entramos, pegamos nossos
pratos e devoramos nossos almoços com vontade de quem não comia a semanas. Eu
era o mais esfomeado, mas isso não me impediu de perder meu último pedaço de
carne, que foi pego por alguém enquanto eu me distrai por um segundo.
Voltando
para o Mozamba, alguém tirou as músicas que já estávamos cansados de ouvir e
colocou um DVD do Chapolin Colorado em espanhol e ai eu não entendi mais nada.
Todos riam achando engraçado a cena que nós mesmos estávamos protagonizando.
Continua...