quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Muito se aprende na BR rumo ao ( Gui Batista)


Ouvi uma frase que me instigou mais ainda a partir rumo ao sul, há muito tempo tenho pensado em sair do sudeste e rumar para novos lugares. Alguns dias atrás estava dando aula e um aluno me falou que no feriado iria viajar para Florianópolis, na hora e sem pensar perguntei se onde ele ia ficar dava pra colocar uma barraca no quintal ou se teria algum lugar pra mim e mais três dormirem, ele disse que ia ver com o irmão e me falava em outro momento.
Comecei a tentar juntar o pessoal da última viagem que fiz para Itamambuca em Ubatuba, falei sobre a ideia de ir pra Floripa e na hora os três ficaram empolgados como eu. Fui pra casa passei uma mensagem para um amigo que mora lá pra ver se conseguia uma casinha para nós quatro e fiquei aguardando o retorno.
Alguns dias se passaram, convidei outro amigo para entrar na trip, esse já experiente em ir para o sul, fiz o convite e na hora ele aceitou, disse que ia ser muito legal e que eu ia gostar. Fiquei feliz por ter mais um em nossa viagem, mas em seguida ele fez uma série de questionamento que me deixaram chateado.
Conversamos por mensagens por algum tempo e ele primeiro perguntou se os quatro ou cinco caras iam no meu carro, respondi que sim e quis saber o porquê da dúvida, aí ele me disse que ia forçar muito o motor, achava melhor não. Pensei comigo mesmo e lembrei que já tinha percorrido quase a mesma distância com mais três mulheres e suas bagagens e o carro foi muito bem. Depois ele veio com a ideia de que ele dirigiria nos pontos críticos e que o caminho era perigoso para eu ir dirigindo, falou que conhecia tudo e que já havia ido pra lá oito vezes, que não era fácil, disse  que aquela estrada não é pra qualquer um e que um amigo dele levou um dia pra chegar lá enquanto ele faz em dez horas.
Prestei atenção em tudo e percebi que um pânico estava sendo criado em cima disso tudo, notei também que em vez de palavras de incentivo, estava recebendo o contrário, coisa que eu jamais faria com alguém que estivesse na empolgação que eu estava. Poderia até orientar, mas jamais colocaria medo dizendo que caminhões em alguns trechos empurram carros que estão a sua frente. Eu simplesmente alertaria dos perigos usando palavras de encorajamento.
Mas uma frase que ele disse me chamou atenção: “Se aprende muita coisa na BR rumo ao Sul”. Na hora que ouvi isso, decidi que iria dirigindo e com certeza aprenderia muito e nesse instante lembre-me de uma frase que ouvi um dia: “As tartarugas aproveitam muito mais os caminhos do que as lebres.” Percebi que não importava o quanto iria demorar pra chegar lá e nem quais seriam as dificuldades, eu simplesmente iria como sempre faço nas estradas, com muita cautela e respeitando os perigos. Não precisava chegar rápido, só precisava chegar.
Decidi deixar pra lá essa parte que me chateou e entrei em contato com o Marcio Misso para tentar achar um lugar para ficarmos. Mandei uma mensagem falando sobre um texto que havia publicado sobre uma viagem que fiz no passado e disse que estava escrevendo mais um, mas só conseguiria acabar de escrever se fosse para Florianópolis, por isso, precisava de um lugar pra ficar lá no feriado.
Aguardei ansioso a resposta que veio com boas novas: o lugar estava arrumado. Era um quarto com um beliche e uma cama de casal em uma das casas do Marcio que um dia fora meu aluno em uma das inúmeras academias que já dei aula. Ele cobrou um valor que para mim estava ótimo. Prontamente respondi a mensagem dizendo que ia confirmar tudo com os três amigos que iam comigo e logo confirmaria.
Falei com o Alan sobre os valores e ele sem pensar topou, na sequência o Rafa também confirmou depois de checar seu orçamento, o único que não tinha certeza era o Vitor, pois teria um compromisso na mesma data, mas ele ficou extremamente empolgado em abandonar o compromisso e juntar-se a nós.
Com a semana quase chegando ao fim, o Marcio que estava passando dias em São Paulo foi fazer um treino na academia onde eu trabalhava, conversamos muito, o apresentei para o Vitor e nesse momento, o pouco que faltava para convencer aquele que parecia ser o último a entrar em nossa barca rumo ao sul, foi feito pelo nosso anfitrião em Florianópolis quando trocou algumas palavras com o indeciso, mas quase certo em nossa viagem.
O fim de semana veio e passou, o clima se transformou e pela primeira vez naquele ano, realmente vi o outono se mostrar. Choveu, ventou, o céu acinzentou e a semana seguinte com frio começou.
Na segunda, confirmei mais uma vez com todos sobre a viagem e todos inclusive Vitor, confirmaram que iríamos todos juntos. Fui ao banco depositei a metade do valor cobrado e a partir daí não tinha mais jeito de voltar atrás.
Quando tudo estava fechado, eis que mais um integrante surge e agora seriamos cinco, quatro homens e uma mulher rumando para o sul de nossas vidas. Todos ávidos e ansiosos por essa que parecia ser a viagem do ano. Cada um em seu canto imaginando os caminhos, as estradas e seus encantos.

Uma viagem e tanto

Hoje acordei extremamente cansado foram quatro dias de viagem, comecei a lembrar do que escrevi antes da partida e vi que a semana que antecedeu a nossa partida passou rápida e eu por incrível que pareça não me vi em nenhum momento ansioso, mas tudo mudou no dia que iriamos pegar a estrada, meus pensamentos ficaram acelerados, a eminencia de ir rumo a Santa Catarina pela primeira vez mexia comigo como se eu já pudesse ver muitas coisas se transformando em minha vida.
Pois bem a noite de quinta chegou, eram dez e meia quando saímos do trabalho. Eu e o Vitor passamos na casa dele, comemos lanches preparados pela Vilma sua mãe, que também fez uma deliciosa torta para nos alimentar durante a viagem, em seguida passamos e pegamos a Aline, depois o Rafa e por último o Alan e suas pranchas.
Pegamos a Regis Betencourt por volta de meia noite e meia, fui o primeiro a dirigir,
eu realmente queria estar na direção na parte que todos consideram a mais crítica, a mais perigosa e traiçoeira, a temida Serra do Cafezal. Dirigi por aproximadamente cinco horas, encarando um desafio que me foi imposto quando ouvi um amigo dizendo que não era para eu dirigir por ali. Por estar com lentidão, o desafio se tornou fácil, mas mesmo assim percebi certos perigos em algumas curvas que enganam. Passamos por ali ao som de reggae. Quando nos demos conta que ainda estávamos no fim dessa serra e só tínhamos rodado pouco mais de 100 kms, percebemos que a estrada seria longa.
                Fizemos a primeira parada para um café. Eeu queria continuar, mas ao descer do carro,  percebi que a primeira troca de motorista se fazia necessária. Entramos no carro com o Vitor ao volante desta vez, eu permaneci no banco da frente e quando saímos do posto, notamos que a BR já permitia uma velocidade maior do que a que estávamos antes da parada.
                O dia começava a dar as caras e o sol que queríamos ter visto nascer na estrada na última viagem e não conseguimos ver, nasceu lindo e quente, iluminando nossos caminhos e aquecendo nossas almas.
Cinco viajantes passando pela divisa de São Paulo com o Paraná rumo a Florianópolis. Nesse momento percebi que as arvores que nos acompanhavam, em sua grande maioria eram pinheiros, lembrei-me da música do Dijavan em que ele frisa a existência de tal espécie neste estado, que naquele instante começávamos a percorrer.
                A essa altura, todos já se conheciam um pouco mais. A Aline que nunca antes nos vira, se enturmou facilmente e a conversa fluía. Um misto de papo sério com simples brincadeiras, garantiram muitas risadas entre um pedaço e outro de torta, que por sinal estava uma delicia e caiu muito bem.
                Nesse trecho do percurso, eu já empunhava em minhas mãos uma máquina fotográfica e dei início oficialmente a uma profissão que eu já venho trabalhando há anos, na verdade eu só criei um nome para uma velha mania que tenho de tirar fotos de placas. Não podia ver uma placa que lá estava eu, registrando para mais para frente cataloga-las. Por isso, me auto-intitulei de Placógrafo e mesmo que eu quisesse deixar passar uma ou outra sem um click, alguém já gritava: olha a placa Gui.
                Paramos mais uma vez para ir ao banheiro, esticar as pernas e comer algo que não fosse torta, voltamos ao carro e dessa vez quem assumiu a direção foi o Rafa, a Aline sentou ao seu lado. Atrás ficamos eu, Alan e o Vitor. O caminho seguia, a conversa continuava e desde a Serra do Cafezal ninguém dormia, depois da Buzinada que tomei de um caminhão numa curva.
                No banco de trás três loucos falando besteira e fazendo piada de tudo o que possa imaginar. Na frente o Rafa inspirado pelo som do Fala Mansa, acalmou a voz e de maneira doce conversou com a Aline por um longo tempo enquanto nos encontrávamos parado outra vez no congestionamento. A partir da aí surgiu em nós, um sentimento que pode até ter sido de brincadeira, mas no fundo tinha um pouco de verdade. Cada um guardou para si o que sentiu, mas como estávamos sendo muito transparentes uns com os outros, todos em alguma hora ia se abrir.
                O Paraná ficou para trás e Santa Catarina chegou com pontos congestionados. Mais uma parada e a penúltima troca de motorista. O Alan assumiu o volante e dirigiu até pararmos num posto na beira da estrada, fomos ao banheiro e perguntamos como fazíamos para chegar na praia do Moçambique. O frentista com uma gentileza que eu jamais vi em qualquer um outro, nos explicou, desenhou um mapa em um pedaço de papel e nos deu as boas vindas a Floripa.
                Saímos do posto com a Aline dirigindo, eu de copiloto e os três no banco de trás. Fomos seguindo as orientações e acompanhando o mapa, passamos por cima da ponte indicada e quando me distrai, vi o mapinha feito com tanto carinho voar pelos ares e sair pela janela. Mesmo sem o mapa, conseguimos chegar, não pelo melhor caminho, mas sim por um outro indicado por um senhor que nos informou da seguinte forma “Moçambique, sim aqui vai dar lá, mas tem que subir o morro e o chão é de terra. Vocês vão?” respondemos que conseguíamos subir e fomos.
                Subimos uma montanha e depois veio à descida, parecia que não íamos chegar a lugar nenhum, mas chegamos e lá estávamos ancorando nosso barco de rodas após dezesseis horas de viagem. Finalmente chegamos e fomos recepcionados pelo amigo e anfitrião Marcio Misso, o dono do Mozamba Surf House.

Finalmente estávamos em Florianópolis
                O certo nessa hora era descarregar o carro e procurar algum lugar pra almoçar às 17h e foi isso que fizemos, mas não achamos lugar servindo almoço e decidimos ir para a praia mesmo sem comer. Todos virados com mais de trinta horas sem dormir, aproveitando a praia. O Rafa logo de cara, ao tentar pegar uma onda, fez um corte na testa com a prancha, Vitor e Alan também tentaram surfar, eu e a Aline só ficamos na areia. O pôr do sol naquele nosso primeiro dia foi fantástico, o céu ganhou varias cores, rosa misturado com laranja e amarelo.
                Voltamos para nosso lar em Floripa, conhecemos a esposa do Marcio, uma pessoa muito especial com o nome de Cátia que nos acolheu de maneira espetacular, nos deixou como se estivéssemos realmente em nossas casas.
                A noite caiu, o Marcio sugeriu um bar ali por perto chamado Kanoas. Aceitamos na hora. As 21h estávamos chegando ao bar, nos sentamos, pedimos belas refeições que vieram com um sabor maravilhoso, bebemos e conhecemos novas pessoas. A felicidade de estar lá era tanta que esquecemos até do cansaço.
                Um casal de amigos de nossos anfitriões chegaram e sentaram em nossa mesa, era o Windsor e a Marisa. A conversa estava gostosa e a noite avançava. Uma banda tocava um Jazz lindamente e por varias vezes me lembrei dos bares que frequento em São Paulo, o Reza Vela e o Oyagiban.
                Eu queria falar uma poesia e pedi para uma garçonete, a moça falou com o dono e de um minuto para o outro me vi no palco recitando minha poesia Vidas.  Senti que falei bem, vi que todos prestaram atenção e vi também o bar inteiro me aplaudir.
                Voltei para a mesa realizado e feliz, a galera começou a se despedir e quando percebemos que já estávamos caminhando para a quadragésima hora acordados também fomos embora.
                Fomos dormir naquela noite com visões e impressões fantásticas. Quando chegamos no Mozamba Surf House, cada um em seu canto, mesmo que o canto de nós todos fosse o mesmo, apagou e descansou, mas antes eu e o Alan ainda gastamos o resto de energia que nos sobrava conversando e dando muita risada na calçada em frente a nossa casa. Falamos sobre o sentimento que nos assolava e da hora que ele brotou, que foi naquele momento de conversa baixa entre a Aline e do Rafa, sabíamos que era uma brincadeira, mas que tinha um pouco de verdade, pois sem ao menos falar o que estávamos sentindo já sabíamos que sentíamos a mesma coisa.
                Nossas risadas cessaram, decidimos entrar e dormir. Em nosso quarto do hostel, tinha uma cama de casal onde o Vitor e sua prima Aline dormiam, um beliche onde o Rafa dormia na cama de cima o Alan deitou na de baixo e eu desmaiei em um colchão no chão.             
                A noite de sono não foi suficiente para descansarmos, mas sabíamos que não havia tempo a perder, por isso logo que o dia amanheceu, pulamos da cama e pensamos em ir comprar o nosso café, mas dois de nós tiveram essa ideia um pouco mais cedo e quando estávamos na janela frontal de nosso lar, vimos depois de uma longa espera, o Rafa e a Aline voltando da padaria.
                Eles vinham caminhando tranquilamente pela rua de bloquetes, traziam nas mãos sacolas brancas e parecia que estavam tendo uma conversa agradável. Nesse momento o sentimento que nos assolava transbordou pelas nossas bocas e eu e o Alam falamos ao mesmo tempo – “ To com ciúmes” e caímos na risada.
                Tomamos um café reforçado e planejamos como seria o nosso roteiro em Floripa. Já era sábado e deveria ser o segundo dia, mas por causa do incrível congestionamento, se tornou o primeiro. Decidimos ir conhecer a praia de Jurere Internacional. Lá fomos nós, ainda era manhã e já começamos a bambear o cérebro com goladas de cachaça e um tal de diabo azul que se fazia misturando Curaçal blue, gás de esqueiro e fogo.
                Já na praia, curtimos tudo e a cada gole de cerveja, as palavras saiam mais fáceis. Tomamos banho de mar, os caras pegaram ondas, ou melhor treinaram pra um dia pegar, aproveitamos ao máximo.
                Decidimos ir almoçar, arrumamos as coisas no carro e eu tomei mais uma dose do drink azul e vi o mundo girar, sentei no banco de trás me sentindo mal, com o cérebro mais bambo do que o normal e o estomago embrulhando não sabia se era de fome, por conta do álcool ou as duas coisas.
                A Aline assumiu o volante e de repente logo a nossa frente uma ladeira enorme surgiu como um convite para o Vitor. Ele pegou seu skate, desceu do carro, colocou o tênis e pediu para filmarem sua descida.
                Igual a um foguete, Vitor ia descendo enquanto o Rafa ou o Alam filmava tudo. Eu a essa altura estava vendo tudo embaçado, vi um show de coragem e habilidade encima de um skate, um cara louco sem proteção nenhuma encarando aquela ladeira nunca antes vista em sua vida. Até o elefante cinza de pelúcia que enfeitava nosso carro se impressionou.
                Lá embaixo, nosso skatista entrou no carro novamente, agora com a cabeça feita por conta da adrenalina, ele realmente estava satisfeito com aquilo que fez.
                Começamos a procurar um restaurante para comermos e paramos. Entramos, pegamos nossos pratos e devoramos nossos almoços com vontade de quem não comia a semanas. Eu era o mais esfomeado, mas isso não me impediu de perder meu último pedaço de carne, que foi pego por alguém enquanto eu me distrai por um segundo.

                Voltando para o Mozamba, alguém tirou as músicas que já estávamos cansados de ouvir e colocou um DVD do Chapolin Colorado em espanhol e ai eu não entendi mais nada. Todos riam achando engraçado a cena que nós mesmos estávamos protagonizando.


Continua...

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